Vasculite Associada a ANCA - Protocolo Clínico

Vasculite Associada a ANCA

Protocolo Clínico

Vasculite associada a ANCA

Tipo de Vasculite ANCA ANCA mais frequente Características clínicas principais Achados patológicos Órgãos mais afetados
Granulomatose com poliangiite (GPA) PR3-ANCA (c-ANCA) Sinusite destrutiva, nódulos pulmonares, glomerulonefrite rapidamente progressiva Granulomas necrosantes, vasculite pauci-imune Vias aéreas superiores/inferiores, rins, olhos, pele
Poliangiite microscópica (MPA) MPO-ANCA (p-ANCA) Glomerulonefrite rapidamente progressiva, hemorragia alveolar, neuropatia periférica Vasculite necrosante sem granulomas, glomerulonefrite pauci-imune Rins, pulmões, pele, sistema nervoso periférico
Granulomatose eosinofílica com poliangiite (EGPA) MPO-ANCA (40% dos casos), PR3-ANCA raro Asma, rinite alérgica, eosinofilia periférica, neuropatia, envolvimento cardíaco Infiltrado eosinofílico, granulomas, vasculite necrosante Pulmões, nervos periféricos, pele, coração

Abordagem Clínica

1
Avaliação Clínica Detalhada

Investigar sintomas sistémicos e sinais de envolvimento de múltiplos órgãos:[3][4][5]

  • Rinossinusite crónica
  • Hemorragia pulmonar
  • Púrpura palpável
  • Glomerulonefrite rapidamente progressiva
  • Neuropatia periférica
2
Exames Laboratoriais Iniciais
  • Hemograma completo, creatinina, urina tipo I com sedimento (hematúria, cilindros hemáticos, proteinúria), função hepática, eletrólitos, PCR e VHS[1][4][6]
  • ANCA por imunoensaio específico para PR3 e MPO (preferencial ao uso de imunofluorescência isolada)[1][4][6][7]
  • Anticorpos anti-membrana basal glomerular (anti-GBM) para excluir doença anti-GBM, especialmente em síndrome pulmão-rim[1][2]
  • Outros autoanticorpos e serologias (ANA, fator reumatoide, complemento, crioglobulinas, hepatites B e C) para excluir diagnósticos diferenciais[6][8]
3
Exames de Imagem
  • Radiografia de tórax ou TC para avaliar nódulos, infiltrados ou hemorragia pulmonar[1][4]
  • Ecografia renal se houver suspeita de acometimento renal[1]
  • Exames específicos conforme sintomas: TC de seios da face, RM cerebral, ultrassonografia de órgãos abdominais[4]
4
Biópsia de Órgão Acometido
  • Biópsia renal é o gold-standard em casos de envolvimento renal, devendo ser realizada sempre que possível, mas sem atrasar o início do tratamento em casos graves[1][9]
  • Biópsia de pele, pulmão ou outros órgãos pode ser indicada conforme o quadro clínico[3][9]
5
Tratamento

Estratificação da gravidade e abordagem terapêutica segundo guidelines EULAR:

GPA e MPA
Indução de Remissão
Doença ameaçadora de órgão/vida

Glomerulonefrite rapidamente progressiva, hemorragia alveolar, envolvimento cardíaco, ou outras manifestações potencialmente fatais.

Imunossupressão
  • Rituximab: 1 g IV ao dia 0 e 15, ou 375 mg/m² semanalmente por 4 semanas[1][2]
  • OU Ciclofosfamida: 15 mg/kg IV a cada 2–3 semanas, ou 2 mg/kg/dia oral[1][2]
  • Preferir RTX sobre CYC em: doença recidivante, doentes (m/f) com potencial reprodutivo, ou exposição prévia a CYC em dose cumulativa associada a risco aumentado de complicações[2][7]
Glucocorticoides
  • Dose inicial: 1 mg/kg/dia, com redução rápida para ≤15–20 mg/dia em 4–6 semanas[1][5]
  • Tapering: Redução progressiva a cada 2 semanas até objetivo de 5 mg/dia aos 4-5 meses[1][5]
  • Se sob avacopan: Tapering após dose <20 mg/dia pode ser feito em apenas 4 semanas[1][7]
Avacopan (poupador de corticoides)
  • Dose: 30 mg 2x/dia[1][7]
  • Ponderar em: Glomerulonefrite, deterioração rápida da função renal, ou maior risco de efeitos adversos dos corticoides (ex. comorbilidades cardiovasculares/endócrinas ou risco infecioso)[1][7]
Plasmaferese
  • Ponderar se glomerulonefrite rapidamente progressiva (RPGN) ou AAV com anticorpos anti-GBM positivos[1][2]
Doença NÃO ameaçadora de órgão/vida

Sem envolvimento renal significativo, hemorragia alveolar, ou outras manifestações graves.

Imunossupressão
  • Rituximab: 1 g IV ao dia 0 e 15, ou 375 mg/m² semanalmente por 4 semanas[1][2]
  • OU Metotrexato: 15–25 mg/semana (ajustado à função renal)[1][3]
  • OU Micofenolato mofetil: 2–3 g/dia[1][3]
Glucocorticoides
  • Dose inicial: 1 mg/kg/dia, com redução rápida para ≤15–20 mg/dia em 4–6 semanas[1][5]
  • Tapering: Redução progressiva a cada 2 semanas até objetivo de 5 mg/dia aos 4-5 meses[1][5]
  • Se sob avacopan: Tapering após dose <20 mg/dia pode ser feito em apenas 4 semanas[1][7]
Avacopan (poupador de corticoides)
  • Dose: 30 mg 2x/dia[1][7]
  • Ponderar em: Glomerulonefrite, deterioração rápida da função renal, ou maior risco de efeitos adversos dos corticoides (ex. comorbilidades cardiovasculares/endócrinas ou risco infecioso)[1][7]
Avaliação após Indução
  • Se remissão atingida: Transição para tratamento de manutenção[1][5]
  • Se remissão não atingida: Referenciar a centro especializado no tratamento de vasculites ANCA[5][9]
Manutenção da Remissão
Imunossupressão
  • Rituximab: 500 mg IV a cada 6 meses durante 24-48 meses, tipicamente iniciado entre 1-24 semanas após última dose de RTX da fase de indução[1][7]
  • OU Azatioprina: 2 mg/kg/dia[1][3]
  • OU Metotrexato: 15–25 mg/semana[1][3]
Glucocorticoides
  • Tapering: Manter redução progressiva conforme esquema de indução (a cada 2 semanas até objetivo de 5 mg/dia aos 4-5 meses)[1][5]
  • Reavaliação: Se sob GC, reavaliar individualmente às 52 semanas se mantém[5]
Avacopan
  • Se iniciado na indução: Manter 30 mg 2x/dia por 6-12 meses[1][7]
Seguimento a Longo Prazo
  • Se recidiva: Retomar tratamento de indução[5][9]
  • Após 24-48 meses em remissão: Ponderar risco individual de recidiva, comorbilidades e preferência do doente para decisão sobre continuação ou suspensão do tratamento[5][9]
EGPA
Indução de Remissão
Doença ameaçadora de vida (severa)

Indicada em doentes com envolvimento cardíaco, renal (glomerulonefrite rapidamente progressiva), gastrointestinal, ou do sistema nervoso central.[4][5]

Glucocorticoides
  • Prednisolona: 1 mg/kg/dia[4][5][8]
  • OU Pulsos de metilprednisolona: 500–1000 mg/dia por 3 dias em casos graves[4][5][8]
  • Tapering: Redução progressiva após controlo da doença[5][8]
Imunossupressão
  • Ciclofosfamida: Oral 2 mg/kg/dia ou IV 15 mg/kg a cada 2–3 semanas[4][5][8]
  • OU Rituximab: 1 g IV ao dia 0 e 15, ou 375 mg/m² semanalmente por 4 semanas[4][5][8]
  • Escolha do agente:
    • Preferir ciclofosfamida em: envolvimento cardíaco ou EGPA ANCA-negativo[4][5][8]
    • Preferir rituximab em: doentes jovens, ANCA-positivo, ou exposição prévia à ciclofosfamida[4][5][8]
Duração
  • Tipicamente 3–6 meses[5][8]
Doença não ameaçadora de vida (não severa)

Aplica-se a doentes com manifestações predominantemente asmáticas, ENT, cutâneas, ou neuropatia periférica ligeira.[5]

Glucocorticoides
  • Prednisolona: 0,5–1 mg/kg/dia, com redução progressiva[5][7][8]
Imunossupressores Convencionais (opcional)
Duração
  • Geralmente 3–6 meses[5][8]
Doença recidivante ou refratária
Recidiva grave
  • Rituximab como re-indução: 1 g IV ao dia 0 e 15, ou 375 mg/m² semanalmente por 4 semanas[4][6][8][11]
  • Especialmente recomendado se o doente já recebeu ciclofosfamida, para minimizar toxicidade cumulativa[4][6][8][11]
  • Ciclofosfamida: Oral 2 mg/kg/dia ou IV 15 mg/kg a cada 2–3 semanas[4][6][8][11]
  • Pode ser considerada em envolvimento cardíaco ou recidiva precoce após rituximab[4][6][8][11]
  • Glucocorticoides: Conforme esquema de indução severa[4][8]
Recidiva não grave (asma, ENT)
  • Adicionar Mepolizumab: 300 mg SC a cada 4 semanas ao tratamento de base[2][4][10][11]
  • Sobretudo indicado em doentes dependentes de glucocorticoides[2][4][10][11]
Manutenção da Remissão

Iniciar após indução e obtenção de remissão clínica (habitualmente após 3–6 meses).[5][8][12]

Agentes preferidos
Duração
  • Mínimo: 18–24 meses[12]
  • Prolongar em doentes com risco elevado de recidiva[12]
Glucocorticoides
  • Redução agressiva deve ser perseguida[1][2][10]
  • Anti-IL-5 (mepolizumab) é particularmente útil para facilitar o desmame de glucocorticoides[1][2][10]